Em qualquer pântano há um rei jacaré, aquele que todos temem e ninguém ousa incomodar, nem os outros jacarés, que têm os mesmos hábitos. Ele é o senhor absoluto dos cantos e recantos e de todas as vidas que daquelas águas dependem. Sempre.
Pela manhã ele toma seu sol na paz dos deuses e logo mais sai silencioso para o almoço real, que será qualquer ser que detecte no seu raio de visão ou olfato, sob, sobre ou às margens do seu reino. Ele é o cara.
Como tudo tem um porém, para esse pântano mudou-se um grupo de guaxinins, bichinhos pacíficos que vivem nos limites da terra e da água. Na tentativa de proteger seus iguais, seu instinto os induz a disparar um aviso quando qualquer perigo se aproxima. E o grande jacaré sempre é um perigo para qualquer contribuinte, isto é, habitante do pântano.
O alerta do bichinho é interpretado também por outras espécies que, rapidamente, desaparecem nas tocas, raízes e sombras, atazanando a sagrada refeição do senhor do lugar. O jacaré não tem raiva de nenhum guaxinim, ou melhor, de ninguém, o que ele quer é se alimentar e pronto.
Como resolver esta situação? Eliminando o problema, ora. O jacarezão sai mais de mansinho ainda em busca do guaxinim agourento, dá-lhe uma certeira bocada, transformando-o numa suculenta entrada. Os demais guaxinins queimam o chão e o reizão vai encher seu bucho sossegado.
No pântano dos humanos também é assim, só que não é só a refeição do dia, não, ele quer tudo, até a consciência dos habitantes do lugar. Além de alimentá-lo, todos têm que reverenciá-lo, aplaudi-lo e fingir que não é jacar, mas um meigo gatinho. É tão assustador que os guaxinins ficam mudos, transformando-se em serviçais do jacarezão.
Mas o que fazer, se ele já viu o que acontece com os guaxinins que ousam chiar? Para sobreviver, fazem o mesmo jogo dos patos e marrecos: fingem que o jacaré não é jacaré, mas um santo protetor e entregam os seus parceiros em oferenda em troca da própria vida e, quem sabe, se tiverem sorte ou forem abençoados, participarão do banquete. É de cortar o coração.
Mas, como em tudo há um porém, em algumas cidades-pântano moram alguns guaxinins que, não porque queiram, mas seu instinto não os permite ser diferentes e dão o alerta. Não para azucrinar o almoço do chefão, mas para avisar que ele está comendo demais, muito mais do que precisa, e que sua gula pode até acabar com o habitat de todos.
Se o jacaré-humano fosse esperto como o jacaré de verdade, talvez até respeitasse o sinal do guaxinim e se pouparia de indigestões terríveis. Mas não, seu orgulho de ser manda-chuva não o permite refletir sobre isso, quer pegar o guaxinim, despedaçá-lo e engoli-lo sem dó ou piedade.
O que o jacaré não sabe, ou não acredita, é que muitos desses guaxinins são venenosos e mesmo que os enterre no fundo do pântano, seu veneno se espalha. O ideal é que, como já acontece em alguns pântanos, isto é, algumas cidades, o jacaré, isto é, o administrador conviva e tire proveito dos alertas dos guaxinins, isto é, dos críticos e todos viverão em paz para sempre. PEDRO CAMPOS
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